terça-feira, 18 de agosto de 2009

A cultura "Badboy".

Saudade é coisa boa de se ter, mas saudosismo já não curto tanto. Apesar dos impasses e incertezas quanto ao futuro, cabe a todos nós alimentarmos esperanças para dias melhores. Isso implica em fazer projetos, não abdicar dos sonhos e nutrir ambições legítimas. Dias desses, falava aqui dos desvios de comportamentos da juventude e dizia que, infelizmente, seguiríamos ouvindo falar deles. Mas confesso, não dessa forma tão próxima e impactante. Em plena praça central, um crime aconteceu e nele jovens dos bairros da periferia da cidade estavam diretamente envolvidos! Gostaria de não ser alarmista, mas é impossível não perceber o que isso sinaliza para o comprometimento do futuro...
Um daqueles rapazes que integrava o grupo que cometeu o ato insano e desajuizado de assassinar o jovem Cássio, era meu aluno no ensino médio. Aí bate aquela tremenda sensação de impotência e frustração! Fico imaginando o que aquele rapazinho de pele negra e com “estereótipo” de “badboy” não deve estar passando... Fico também pensando, nos outros rapazes que possuem um perfil semelhante ao dele. Um futuro irremediavelmente comprometido por um ato cujas proporções ele talvez nem tivesse total consciência. Muitos que não tiveram contato com esse rapaz em particular, (não digo dos outros que não conheci) ao ver sua foto, haverão de dizer: é um marginal, merece cadeia e coisa ainda pior se houver...
Vamos analisar a infância desse garoto, conversar com seus pais e saber das suas opções. Trabalhava ou vagabundeava? Usava drogas? Discretamente eu procurava aproximar-me dele, sabia que tinha problemas, o que fazia dele um garoto arredio, mas receptivo às minhas atenções superficiais por certo, pois infelizmente, as turmas são enormes e o professor tem que se desdobrar se quiser dar uma atenção mais personalizada aos seus alunos. A mim parecia que aquele adolescente, próximo à maioridade, fazia os seus progressos: sorria, brincava, participava da aula, era aceito pelos colegas.
A escola não pode ser vista como um centro de recuperação, mas com toda a certeza é um espaço de socialização muito importante. As nossas melhores saudades se reportam a essa fase inesquecível. Soube, inclusive, que o referido jovem trabalhava num mercadinho e que a dona que o empregou também sentia muito com o que ocorrera, pois não esperava que ele fosse se integrar a um grupo tão violento... Seus colegas observaram-no diferente nos últimos dias, que antecedeu a tragédia, e aconselharam-no a não se envolver com aquela turma, mas, o pior aconteceu...
Praça, uma vez, era o centro do convívio. Aliás, na Grécia antiga ela serviu de local para o debate das questões ligadas à cidade. Era chamada “Ágora”. Nela, os homens livres confabulavam seus projetos, reivindicavam seus direitos, acordavam leis, subiam no banquinho e proferiam discursos desenvolvendo assim, por tabela, o raciocínio lógico. Nela, desenvolveu-se o pensamento dito filosófico e, por conseguinte, a política. Assim, podemos dizer que a democracia e o espírito de cidadania nascem na praça pública.
A praça acolhe um sentido quase sagrado que alimenta o relacionamento para além dos propósitos mercadológicos. A praça é livre. Ela é do povo. Ela é da paquera que pode resultar na formação de novos núcleos familiares. Ela é da noite, da seresta, da retreta, do carnaval. Ela é da criança, da pipoca e do jornal. Ela é do aposentado, do patins, das manifestações e dos desfiles. Ela já foi o ponto de encontro, dos giros horários e anti-horários após a sessão de cinema e das enormes palmeiras que marcavam a passagem do tempo. Voltar ao que era antes não será mais possível, mas será responsabilidade nossa não fazê-la um lugar de garotos maus.

TERNIDADE

Acometeu-me o pânico na infância
pela demora da mão paterna,
quando deixado num ângulo
tão perto e longe do lugar de sempre.

Jovem em vias bifurcantes,
saltitava em buscas para além das vizinhanças urbanas,
transpondo a Mantiqueira de flancos alcantilados,
no convívio com os quais o coração soía pulsar...

Num ínterim de anos passados,
cujas impressões impregnaram a memória,
contemplei de longínquas janelas,
cascatas de mármore em fontes
que sequer ouso nomear...

Agora somente, sem medo,
convivem pacificados
a criatura e seus esboços mal traçados,
numa obra indefinida,
retorcidas interrogações.

Atado umbilicalmente ao mundo,
sendo por ele gestado,
declino-me da definitividade,
desdobrando a procura de outra mão,
que ora se esconde e se me revela,
para além das elevações
que só então consigo ver.