quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Alguém viu o Avatar por aí?


Lá se foi mais um. Dizem que o ano passou muito rápido. Ou não seria a dinâmica desenfreada desses tempos cibernéticos que fazem aumentar por demais essa nossa percepção? Mas não adianta mesmo: “o novo sempre vem”... e o velho, às vezes cai. Enfim, terminar o ano assistindo Avatar na telona foi uma ótima pedida. Em 3D então, uma maravilha! Eu diria uma glória para o cinema contemporâneo. Ficou mesmo aquela sensação de ter sido uma das melhores fitas “jamais vista na história desse país”, para usar a expressão de um ilustre personagem que também ganhou destaque na arte cinematográfica no ano que passou.

É claro que para produzir todo aquele entrelace de efeitos reais e virtuais, coube ao seu diretor James Cameron, esperar o tempo oportuno, o avanço da tecnologia adequada e o amealhar dos não poucos 500 milhões de dólares! Não pretendo reproduzir a sinopse do filme. Tudo é facilmente acessível na internet. Aliás, é interessante notar como a rede vem se tornando uma espécie de ante-sala, ou mesmo, fórum de discussão das significativas peças da indústria do audiovisual. Bem mais fácil do que tentar organizar um cineclube em nossa cidade, diga-se de passagem... É lá que a gente, ou se prepara, ou se aprofunda sobre o que nos interessou mais, deparando-nos com os outros que fizeram experiência semelhante a nossa, transformados agora, de mero público em ardorosos fãs.

Depois de nos transportar desse, para o imaginário mundo de Pandora, identificamo-nos com o ex-fuzileiro Jake Sully e vamos com ele filme a dentro. Acontece que ele, como a maioria dos comuns mortais, traz a marca de uma deficiência. A dele é resultante de outras batalhas que participou e que lesou-lhe as pernas, o que faz dele uma espécie de herói contraditório e paradigmático. Uma evocação a outros personagens mutilados pela guerra e pelo belicismo norteamericano, vistos já em outros filmes, lembra-se? Renascido em sua forma Avatar (palavra que dá a idéia de transformação), quem antes estava preso a uma cadeira de rodas, recebe um novo corpo – hibrido entre o humano desproporcional e o felino extremamente hábil. Ah! Prá que melhor?! Esse outro mundo é muito superior, ainda mais quando entra em cena a figura do feminino sensível: paraíso total!

Somos como ele, inebriados pelas belezas de um exótico território, em tudo ao nosso assemelhado, mas extremamente muito mais encantado. Como encantados também são esses seres chamados Na’vi , profundamente espiritualizados, visto que rezam e cantam, vivendo em perfeita sintonia com a natureza e comunitariamente bem dispostos, a exemplo dos tribais povos, exterminados pelas antigas armas e ideologias de conquista: os Sioux americanos, os Astecas dos Andes e os Tupis brasileiros.

Como ocorreu no passado e ainda hoje persiste, esse cenário de paz e harmonia é abalado pelas potentes armas de terror e destruição que irrompem em nome da conquista e da ganância humana, detonando essa “cosmovisão”, impondo-lhe no lugar, uma visão caótica. Tudo isso é magnificamente representado pela derrubada da gigantesca árvore ao redor da qual tudo gravitava. Essa “árvore-alma” pode ser somente árvore... (e come pipoca), mas pode ser também “Amazônia”, “Rio São Francisco”, a construção da “Represa Belo Monte”, o uso indevido dos agrotóxicos, etc...

Já dizem alguns, tratar-se de um filme divisor de águas. Os recursos da digitação gráfica são magníficos, mas o que concorre, a meu ver, para a sua relevância é a essência do conteúdo e o poder da sua esplendorosa metáfora fílmica. Tudo bem, se você quiser ir ao cinema buscando somente diversão e entretenimento, coma pipoca e divirta-se! Mas, acho um despropósito não absorvermos dele algumas lições civilizatórias. Sobretudo, nesses tempos em que se considera o tremendo fracasso da conferência sobre o meio ambiente realizada em Copenhague. Parecia mais uma torre de Babel. Nada foi acordado e tudo foi postergado. As chances agora de uma nova tentativa de acordo se voltam para a Cidade do México nesse 2010. A ausência de um compromisso mínimo faz aumentar o número daqueles que já consideram o enfrentamento da causa climática, uma causa perdida.

“Uma balela, essa questão de aquecimento global!” – já estão dizendo algumas vozes incomodadas, ao perceberem que o ecológico tem a ver com mudanças econômicas. Será que essas resistências só cederão quando estiverem com o caldo de lama entrando pelas suas ventas?

É por essas e outras que é preciso interpretar a mitologia cinematográfica de Avatar. O filme nos possibilita extrair dele muitas outras reflexões, pois o seu simbolismo é quase inesgotável.