Luiz Sérgio Mafra
O contato do
romano com o grego provocou um processo de apropriação dos valores
culturais que se enveredou também pelas
manifestações artísticas. O teatro romano dos “mimos”, já existia
no período anterior ao Império, mas remodelou-se com a influência
dos gregos. Essa hibridização foi tão
forte que se chegou ao ponto de serem criadas algumas adaptações, cujas
escolhas obviamente ocorreram mediante os diversos focos de interesse. O apogeu
do teatro romano deu-se entre os séculos III e II a.C, com Plauto e Terêncio,
mantendo certas diferenças entre eles.
O que se passa
hoje com a chamada “Indústria Cultural”, que tende a nivelar tudo por baixo, a
fim de que os seus produtos culturais sejam acessíveis a um maior número de
“consumidores”, também se observa na análise desse fenômeno que envolve o
teatro na antiga Roma. Muito interessente: o fato não é novo. Aliás nada é cem por
cento novo. Em certo momento, aquele
teatro melhor elaborado, com tramas mais complexas, parece ceder espaço para
performances mais caricatas, de mais fácil entendimento pelas camadas mais
populares. Por de trás dessa controvérsia, que também – a meu ver - acolhe
aquela mesma discussão sobre as
vantagens e desvantagens da reprodutibilidade técnica que tirou a “aura” do
objeto artístico, se esconde a política do “Panis et Circenses”. Certamente,
com a chegada dos grandes espetáculos de forte apelo emocional, protagonizados
pelos gladiadores nas arenas, estetizando teatralmente a realidade violenta, a
“indústria de entretenimento” da época, haveria de sofrer um enorme impacto.
As tragédias
surgidas no período Imperial, encontrou em Sêneca, filósofo estóico e
conselheiro do amante de teatro que também foi Nero, um grande expoente. Talvez
aqui, tenhamos um retorno a uma arte que se deixa penetrar mais profundamente pelas
inquietações humanas, mesmo que admita, como fez num de seus escritos, que o
pensador pode correr o risco de perder-se um pouco: “Dulce est desipere in
loco”. 1
Da fala da
Profa. Isabella Cardoso Tardin, pode-se intuir que, assim como os Romanos cederam
à admiração dos helenistas, as “reeleituras” continuam em franca expansãoainda hoje. As épocas
históricas possuem suas especificidades, mas o drama da existência humana
continua mantendo algo de comum e perpassa por todas elas. Assim vemos, por exemplo, o escritor brasileiro Ariano Suassuna, reportar-se aos clássicos e misturá-los aos
seus personagens regionalistas em meio às poeiras e às caatingas nordestinas.
Para um ledor como ele, elementos desses quilates podem muito bem serem identificados nas suas comédias, como é o caso do “Auto da Compadecida” e o “Santo e a Porca”. Essa última, um resgate
de Plauto numa “imitação criativa”, que remonta aos escritores latinos.
A respeito
dessa última referência, ressalvamos não tratar-se de um nivelamento por baixo.
Disso já estamos mais do esgotados. Pelo contrário, trata-se de um dispositivo
que eleva a cultura brasileira e a nossa língua portuguesa. Por essa e por
outras, é que reafirmamos a excelência desse dispositivo, ficando assim confirmado, mais uma vez e de
maneira inequívoca, a importância do
estudo do latim.
1 Os Pensadores. Sêneca
e outros. São Paulo: Abril, 1980, p. 213.