sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Urgência de Minas

Sabemos que é papel da democracia garantir a soberania popular e que a Suprema Corte é órgão soberano nas decisões dos grandes conflitos institucionais. O Judiciário e o Ministério Público não podem se submeter aos “devaneios ditadoriais” do Executivo; não podem fazer “vista grossa” à decisão desvairada e aos desmandos do Executivo quando uma categoria luta e clama por justiça.

Neste momento em que, mais uma vez, uma categoria se rebela e faz greve por justiça, precisamos de um Ministério Público e de um Judiciário corajosos o bastante para balizar a possibilidade de intervir no Estado que está sendo ferido pela prepotência e descaso de seu Gestor.

No dia 07/04/2011 o Supremo Tribunal Federal julgou a constitucionalidade da Lei Federal que instituiu o Piso Salarial Nacional para os Profissionais da Educação. Por dois anos o Supremo estudou a Lei e, enfim, concluiu que a mesma é constitucional e que os Estados, Municípios, Distritos e União devem cumpri-la, já que tiveram tempo suficiente para adequarem-se a ela.

O Sr. Governador de Minas Gerais acredita e diz e “faz acontecer” que Subsídio é PISO e a classe da docência continua vivendo na indecência. A indecência desumana da carreira desvalorizada e sem perspectiva de crescimento; do trabalho mal remunerado; das péssimas condições de trabalho; da clientela desestruturada; dos diretores ressentidos; enfim, um problema que se alastrou com o Estatuto da Criança e do Adolescente mal aplicado, aumentou com a Avaliação de Desempenho punitiva e, para completar, torna-se insustentável com um governador “fora da lei”. que se acha no direito de não cumprir a lei e “enfia goela abaixo” dos profissionais da Educação – só dos profissionais da Educação – um subsídio vergonhoso que destrói a carreira que cada um labutou uma vida inteira para construir.

Hoje, a maioria dos Servidores da Educação – Professores - são PEB III A, com nível superior de escolaridade e recebem, no momento, um subsídio de R$1.320,00, mas têm um PISO salarial de R$550,48. Vamos analisar juntos: a Lei 11.738/08 determina, indiscutivelmente, que o Piso Salarial Profissional é de R$1.597,87 com os reajustes cabíveis. O MEC divulgou que o mesmo PISO é de R$1.189,97, com os reajustes que ele entende como legais. Divergências à parte, o PISO era R$ 950,00 em agosto de 2008 quando a Lei foi sancionada. Hoje, com certeza absoluta, o Piso Salarial para um professor com escolaridade nível médio (antigo Curso Normal), é de no mínimo, R$1.189,97. Esta é uma decisão para todo o país com o aval indiscutível do Supremo Tribunal Federal.

Demoramos 180 anos para ter um Piso garantido por Lei, e olha que não se trata de um valor compatível com a nossa escolaridade – em comparação com o salário de outros profissionais com o mesmo nível de formação - nem mesmo com a responsabilidade que temos de ensinar e formar cidadãos.

Nossa profissão está perdendo o respeito por si mesma; o Sr. Governador dispõe da nossa carreira como bem entende tentando mostrar força política; nossos alunos zombam de nossa luta pela falta de união da classe.

Sempre fomos mal pagos. O Brasil já nasceu pagando mal seus mestres. A primeira lei para o Magistério foi feita em 1827 e estabelecia um Piso de 25 mil réis – um terço do que ganhava um feitor de escravos. Em valores atuais, algo em torno de R$930,00. Com o passar do tempo, o que já não era bom, ficou ainda pior. Os investimentos governamentais não cresceram na mesma proporção que o número de alunos e com isso começou a deteriorar-se o ambiente escolar. Agora, com os Projetos Bolsa Escola e Bolsa Família, o ambiente ficou pior e a clientela, pior ainda. Com o ECA, os pais não conseguem educar seus filhos que aprendem de tudo na TV e na Internet mas são enviados à escola só para garantir a ajuda do governo. O interesse em aprender é quase nenhum e cada vez menor: pois criou-se e estabeleceu-se uma cultura de assistencialismo que vai contra a dignidade da pessoa humana.

Não queremos aumento, não queremos favores, queremos o cumprimento da Lei Federal. Queremos o nosso direito. Queremos a valorização da carreira que escolhemos por vocação e compromisso com a pessoa humana. Somos educadores de todo o país lutando por dignidade.

Ao povo deste país não é dado o direito de desconhecer ou descumprir a lei, portanto, dela somos conhecedores e queremos que seja cumprida. Em nossos sonhos, mesmo que quase iludidos, ainda divisamos a JUSTIÇA, a última trincheira na defesa de nossos direitos, principalmente quando o nosso inimigo é o poder Público, que tem o péssimo hábito de não cumprir as leis. A verdadeira JUSTIÇA, a que todos queremos, é aquela que garante o exercício da cidadania, caracterizada pela vida digna para todos os brasileiros sem exceção, o que há de ser conseguido através de leis justas e governantes comprometidos com seu povo.

Hoje, o que temos é um salário indigno, uma sub-sala de aula, uma ditadura democrática que nos encosta contra a parede e uma coragem indescritível de fazer valer nossos direitos. Não podemos perder essa coragem.Não nos deixem perder essa coragem.

Nós, professores, ainda somos (e sempre seremos – se o Estado não destruir de vez o sonho dos novos de quererem ingressar em uma carreira mal paga e sem perspectiva de futuro) os responsáveis pela Educação neste país e estamos absolutamente certos em nossa luta. Nossas dificuldades são imensas. Porém, não são maiores que nossas esperanças.

Sentimo-nos em meio a um fogo cruzado, onde aqueles que deveriam lutar por nossos direitos escafucham as leis de toda maneira para que a Lei do Piso não seja cumprida e não encontramos quem possa nos defender e valorizar realmente a Educação. A professora Amanda Gurgel do RN fez ouvir sua –nossa - voz em todo o país – gritando por nossos direitos e o máximo que a sociedade quis fazer foi premiá-la com o “Educador de Valor” – que ela dignamente recusou pois é absurdo uma sociedade premiar uma pessoa que conseguiu levantar a cabeça e ir contra uma situação de injustiça imposta por esta mesma sociedade. Os professores não queremos prêmios isolados: queremos valorização efetiva de nossa carreira.

Else Vasconcelos e Rozana Tavares,

Professoras da Rede Pública de Ensino Brasileiro.

Porque estou de greve

Após 15 dias de greve, e também de reflexão sobre isso, achei que deveria apresentar uma justificativa os meus colegas educadores, meus alunos e seus pais, e a todos mais que se sintam envolvidos nessa situação.

Como não poderia ser diferente, o grande motivo que me faz continuar em greve está intimamente ligado à minha profissão. Mas diferente do que parece óbvio, não venho mais uma vez justificar meu estado de greve apenas pelo meu salário. Quero justificar esses dias com base no meu trabalho como Professor de Filosofia.

Como poderia continuar ensinando aos meus alunos do Primeiro Ano Médio que a Filosofia se faz pelo questionamento da realidade, pela sua problematização, pela pergunta que motiva a busca pela verdade, se eu continuasse passivo, sem questionar minha própria situação profissional, sabendo que estava submetido a uma inverdade, simplesmente por não acreditar na mudança ou por me imaginar impotente diante de um Estado maior que eu?

Como poderia continuar ensinando aos meus alunos do Segundo Ano Médio que o trabalho deve conduzir o homem à realização, à transformação da sua vida e da sociedade e não simplesmente à alienação e ao desgaste físico e mental, se eu continuasse a chegar em casa cansado e frustrado pelo descaso do nosso patrão em relação a nós, seus funcionários, e à nossa clientela; continuasse a assistir às propagandas maravilhosas e enganosas sobre nossas escolas e reportagens sobre educadores agredidos e aviltados em seus direitos; continuasse a encontrar com amigos e colegas que insistiam em dizer que tinham pena de mim pela minha profissão; e, no fim do mês continuasse a receber um salário que não corresponde à minha força de trabalho?

Como poderia continuar ensinando aos meus alunos do Terceiro Ano Médio que a política tem como papel regular a vida da sociedade, administrando o que é de todos, em vista de diminuir as diferenças, assegurar a igualdade de direitos, elaborar leis justas, e que todos nós devemos participar diretamente da política pelo voto e pela cobrança uma vez que o poder político se legitima graças ao respaldo e a aceitação do povo, se eu continuasse a responder calado à injustiça que a minha classe vem sofrendo diante do não cumprimento de uma lei que nos favorece; continuasse a me manter omisso diante do abuso de poder dos governantes; se eu me mantivesse num conformismo que afirma que o Brasil não tem mais jeito e que aos políticos cabe altos salários e ao povo altos impostos?

Enfim, se eu me mantivesse como estava, estaria claro para meus alunos que a Filosofia não faz diferença alguma. É apenas uma disciplina a mais; uma erudição desnecessária que não modifica em nada a vida da pessoa e tampouco da sociedade. Desta forma não faria sentido algum estudar Filosofia. E se não há porque estudá-la, não há porque haver alguém que a ensine. E, como aconteceu nos anos da Ditadura Militar, a Filosofia seria novamente retirada das escolas e eu passaria de grevista a desempregado.

Como vocês puderam perceber, prefiro correr o risco de perder o emprego por ter lutado do que perder o emprego sem ter feito nada!

Pedro Henrique Mendonça Fernandes

Professor (designado) de Filosofia da Rede Estadual de Minas Gerais