quinta-feira, 14 de julho de 2011

Educação, cultura e o resgate das referências nacionais.

Estamos vivendo um momento particularmente grave para o binômio Educação – Cultura, no Brasil. A educação no que diz respeito, por exemplo, ao seu aspecto formal e ao seu vínculo histórico com as esferas da Burocracia do Estado, vem revelando a sua mais profunda e estrutural crise. O ensino nas escolas, sobretudo naquelas de nível fundamental e médio, vem já há algum tempo, sendo “atropelado” pelas novas facetas da pós-modernidade. O ensino superior também se ressente disso, com fortes implicações para a sua qualidade, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento da pesquisa, fator esse, tão essencial para a autonomia de qualquer país.

Em teoria, há uma intenção de equacionar a problemática, mas a prática choca-se com a complexa realidade, na qual deve ser considerada também a educação informal e os valores culturais propagados, sobretudo, pela mídia, transformada em poderosíssimo fórum de debates, por onde as questões sociais gravitam.

Dias atrás fomos surpreendidos com a fala comovente e sincera de uma “professorinha” lá do Rio Grande do Norte. No “Twitter” e no “You Tube”, sua voz obteve uma repercussão inesperada. Ela conseguiu iniciar um debate franco que deveria continuar tendo seus desdobramentos, para mostrar que o problema mais sério não reside na desqualificação do profissional da educação, mas tem muitas outras nuances que deveriam também ser aprofundadas.

Existem algumas constatações que nos envergonham demais: segundo, por exemplo, a UNESCO, dos 195 mil estabelecimentos de ensino do país, 17,8 mil não tem energia elétrica, 37% carecem de biblioteca e 10% não contam nem com banheiro. É justamente nessa circunstância, que o país resolve aplicar recursos na construção e reformas de estádios de futebol para sediar a copa do mundo...

Alguns procedimentos e eventos tais como o vazamento de provas, distribuição de cartilhas e livros didáticos, vêm sendo questionados pela opinião pública. A cultura de violência da própria sociedade reflete sobre o ambiente escolar em formas de agressões de alunos contra colegas e professores, a prática do “bullying” e o recente caso da chacina em escola carioca, que nos deixou perplexos.

Educadores e pensadores da educação no Brasil não são raros, mas o que acontece é que a divulgação de suas idéias e a atualização de suas metodologias, nem sempre são levadas a bom termo. Tornamo-nos um país de ótimos idealizadores de processos educacionais, ostentando uma vergonhosa classificação entre seus pares. De acordo com os dados da ONU: o resultado apresentado foi desastroso para o Brasil, mostrando que o país caiu da 76ª para a 88ª posição entre 128 nações. Hoje somos um dos piores do continente americano, estando atrás de Bolívia e Paraguai com um índice similar ao do Suriname. Os últimos resultados da prova da OAB foram alarmantes!

Numa das Universidades mais antigas da Europa, num centro interdisciplinar de Ciências Sociais em que eu freqüentei e que abrigava representações estudantis de todos os continentes, o nome de Paulo Freire vinha continuamente sendo citado e suas obras eram vivamente recomendadas e disponibilizadas, em várias línguas, na sua grande biblioteca.

Isso, de certa forma, contrasta um pouco com o que presenciei, enquanto freqüentador de alguns ambientes acadêmicos por aqui. Não é que esse nome estivesse ausente, mas dele cheguei até a ouvir comentários desdenhosos. Hoje, passados já 14 anos de sua morte, “Pedagogia do Oprimido” continua sendo o seu carro chefe, considerado pelos estudiosos como o seu livro mais importante. Mas nos cinco primeiros anos da década de 90, apareceram mais seis importantes obras: A educação na cidade (1991), Pedagogia da esperança (1992), Política e educação (1993), Professora sim, tia não (1993), Cartas a Cristina (1994) e À sombra desta mangueira (1995). Estas foram obras que revelaram um Paulo Freire mais literário e até mesmo mais poético, mas, sobretudo, um pensador analítico-histórico em permanente evolução.

Foram nessas obras que encontramos um Paulo Freire mais preocupado com um tipo de educação que correspondesse aos anseios dos homens e mulheres desse nosso século, deslizando-se já para sua segunda década, encontrando um professor em sala de aula, por vezes atônito e munido tão somente de “cuspe e giz”.

Estamos todos inseridos numa sociedade complexa, marcada pela economia neoliberal e por certo triunfo do individualismo. O tipo de educação que emerge das obras freireanas é aquela que vislumbra a formação de uma cultura da diversidade e de uma sociedade mais solidária. Não poderia ser diferente, pois estamos diante de um ser humano multicultural. A educação deve ser capaz de prestar atenção nesse quesito e nesse novo cenário que se instaura, e assim, reconstruir o saber da escola e a formação do próprio educador. Não caberá mais espaço para a arrogância e para a cristalização do ensino e isso deve permear todas as instâncias, desde as mais burocráticas, como as secretarias, como aquelas que se encontram envolvidas diretamente no trato com os estudantes.

O conceito que se extrai de cultura na obra de Paulo Freire é aquele mesmo que nos remete a uma relação dialógica. Pois uma sociedade multicultural deverá abordar o ser humano de maneira a respeitá-lo na sua diversidade e na sua identidade cultural específica. Quanto ao educador não lhe competirá sentir-se como dono absoluto do saber, e, igualmente a escola, auxiliará na condução dos conflitos, tornando-se espaço de convivência e diálogo.

Decorre daí também a interdisciplinaridade, uma vez que a pedagogia intercultural constrói-se levando em conta as contribuições das várias áreas do saber. De modo que, uma concepção monocultural de educação produzirá um currículo monocultural, ao passo que uma concepção multicultural procurará realizar um currículo multicultural, isto é, que leva em conta a cultura do interlocutor no diálogo que se estabelece.

Respeita-se o educando na sua diversidade, procurando não aliená-lo da sua cultura original e muito menos, tratando-o como simples depositário de uma cultura que o subjugue. O importante é que a pessoa se descubra como produtora, ela mesma, de cultura. Assim, mais facilmente se entenderão como sujeitos e não simplesmente como objetos do processo de aprendizagem. A partir da leitura de mundo do educando e das trocas dialógicas que se estabelecem, é que vão sendo construídos novos conhecimentos e obtendo novas visões.

Luiz Sérgio Mafra

Professor de Sociologia da Educação