quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O ser criança consumido pelo mercado


*Luiz Sérgio Mafra

Dizem que o filósofo Sócrates gostava de ir ao mercadão da cidade de Atenas, primeiramente, para conversar com o povo e, depois, para certificar-se de quantas coisas ele não tinha a mínima necessidade para ser feliz. Se ele voltasse hoje ao nosso tempo, certamente veria como a ânsia consumidora começa fazendo seus adeptos desde muito cedo. Você até poderia refutar-me dizendo que, sem comércio ativado ninguém sobrevive e eu seria forçado a concordar, se tivesse totalmente conformado com esse tipo de sociedade em que vivemos.

Mas acontece que o meu inconformismo com ela tem razões que o próprio bolso desconhece... Em continuando tudo como está, insistindo nos mesmos parâmetros, aguçando os desejos de consumo que fazem abrir comércio aos domingos, crianças exigirem dos pais artigos com preços incompatíveis com suas rendas, o que deixaremos para as gerações futuras será um legado deveras pernicioso. Podemos estar criando os nossos mimados “monstrinhos” com a desculpa de dar-lhes tudo aquilo que não pudemos ter, quando não procuramos compensá-los das nossas ausências, entrouxando-os com objetos e comidinhas artificiais.

Recentemente, orientando uma pesquisa sobre a formação do imaginário infantil, numa Universidade em São Lourenço, reunimos dados acerca do acesso à TV no ambiente familiar. As observações permitiram-nos observar e identificar a influência dos desenhos animados e dos informes publicitários sobre as brincadeiras e os jogos praticados pelas crianças. Elas citaram seus desenhos preferidos e relataram a vontade que sentem de comprar alguma coisa, tais como brinquedos, roupas, alimentos, etc. É fácil intuir que o entretenimento e a propaganda, funcionam hoje, como áreas de aprendizagem que transformam a cultura da infância.

A televisão, bem como os outros meios de comunicação, exerce impacto no desenvolvimento da criança, pois tem papel na socialização dos sujeitos, além de reproduzir os mecanismos sociais de controle. A escola é um espaço de socialização também, mas pelo menos aquela pública, vem sendo literalmente atropelada pelas mudanças tecnológicas, por não saber (ou não querer) integrá-las convenientemente ao seu cotidiano. Já é de muitos anos que se questiona a metodologia arcaica do “quadro e do cuspe”, e até hoje, nada de significativo e inovador foi realizado nesse setor vital da sociedade. É incrível, mas professores que não ganham tanto, temem perder até a merreca adicional do “pó de giz”, se concebessem um quadro mais higiênico e mais adaptado aos avanços do século XXI! Penso que, nesse aspecto, muita coisa já melhoria se fossem repensados os espaços, os aparelhos e os mobiliários de uma sala de aula. Se num prazo de cinco anos, todas as escolas brasileiras pudessem contar com um aparelho multimídia em cada sala, com acesso à rede internet e com um professorado capaz de acessá-lo adequadamente, um grande passo já seria dado rumo a uma educação de qualidade para os filhos das classes média e baixa. Os recursos auxiliares de textos escritos e audiovisuais disponíveis na rede, são hoje, subsídios quase indispensáveis ao bom professor.

Com a mídia, houve algumas perdas significativas para instituições como a família, a escola e a igreja, nas quais não se deve simplesmente proibir seus acessos, mas criar condições para utilizá-las criteriosamente, beneficiando-se das suas inúmeras vantagens. Atualmente, as crianças tem uma visão de mundo mais ampla do que há cinqüenta anos, quando a mídia estava ainda em desenvolvimento. Elas estão expostas, como a maioria de nós, a uma gama muito grande de informações e de estímulos ao consumo. A garotinha prodígio do SBT, por exemplo, a engraçadinha Maísa, dança enquanto come pipoca industrializada e gaba-se de gozar do patrão que tem...

Frente ao exposto, espera-se que pais, pedagogos e professores entendam a importância da reflexão crítica sobre as programações televisivas, sobre a propaganda e a publicidade, formando indivíduos críticos à realidade da sociedade em que estão inseridos.

A força do público infantil no mercado de consumo é bastante alta. Para a coordenadora do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana: as crianças são estimuladas a ingressar cada vez mais cedo no universo adulto, absorvendo moda, hábitos e comportamentos inadequados para sua fase de desenvolvimento. Ademais, é preocupante para os educadores a qualidade das músicas que bombardeiam nossas crianças. Qualquer coisa que estimule alguém a ter pensamentos agressivos, aumenta a possibilidade disso realmente acontecer de fato.

É necessário um grande esforço e vigilância dos pais para as músicas que seus filhos ouvem, bem como aos filmes e “cartoons” que assistem, bem como, sobretudo agora, aos jogos de videogames com os quais eles dedicam grande parte do tempo e das suas energias.