domingo, 5 de setembro de 2010

Manifestar e opinar: sinais de cidadania

Acredito não exagerar na afirmação de que uma das marcas características da sociedade pós-industrial, seja essa apatia capitaneada pelo espírito individualista que vai contaminando espíritos, mentes e corações.
Na semana da Pátria somos, de alguma forma, induzidos a pensar um pouco mais além das fronteiras que permeiam os interesses latentes do restrito território umbilical.
O que é a Pátria e o que é a Nação? Um conceito vago ou quase sempre relacionado a outros conceitos estereotipados. Isso porque na verdade, não construímos ainda esse sentimento de “pertencimento” a um grupo mais extenso de gente que habita um vasto território. É difícil mesmo ser generoso e aumentar o espaço da nossa familiaridade. Por vezes, o conceito “povo” vem sempre junto de adjetivos de cunho pejorativo. O sentimento pátrio fica visivelmente evidenciado em certas ocasiões, como é comum de acontecer nas Copas. Ruas e residências, mesmo aquelas mais periféricas, vão se colorindo com os mesmos tons e há uma espécie de convergência e unanimidade. Rompem-se assim, as barreiras e abraça-se com mais facilidade, quem quer que esteja ao lado, na comemoração de cada lance que valide a vitória. Nesses efusivos abraços não importa sexo, cor e posição social...
Admiro as concepções inovadoras a que chegaram alguns brasileiros, de amor extremado pelo país. Lembro-me de uma fala do antropólogo Darcy Ribeiro quando, já pelos finais de sua peregrinação terrestre, sentenciava quase a fazer-nos um desafio. Era mais ou menos isso: “ O Brasil ainda não descobriu a sua verdadeira identidade. O que ele vai ser e o que ele pode ser, está ainda para ser gestado. Isso competirá a vocês, a essa nova geração...”
Sinceramente penso, que esse sentimento de nacionalidade autêntica, sem falsos ufanismos, só se construirá a partir dos menos arrogantes. Quem tem mais poder e dispõe de maiores recursos financeiros, toma seu jatinho e vai para Miami, ensinando o mesmo aos filhos que vão à Disney, festejam Halloween e não estão nem aí para a “sincopagem” do samba e nem se interessam por saber o que a baiana tem. A constituição do povo, suas riquezas culturais, quando não solapadas, são até mesmo desdenhadas. Nesse aspecto, concorre muito o papel da mídia nacional, que deveria servir mais ao povo de espelho, a fim de ajudar-lhe a refletir sobre o seu próprio rosto, mas ficamos, em grande parte, estimulados por ela, na contemplação fascinada do rosto do outro. O povo extremamente criativo, vira povo imitativo, dependente, colonizado pela cultura do consumo e da violência.
De qual país fazemos parte? Sejamos honestos conosco mesmos e abracemos a realidade. A democracia é um processo, portanto, ainda está a caminho. Ela ainda não chegou de fato à sua maturidade. Mas em nome dessa democracia é que devemos ousar falar e a manifestar opiniões. Penso, por exemplo, que para uma cidade como a nossa, com uma liderança intelectual, estudantil e acadêmica tão capaz, faz-se demasiado silêncio em muitas das suas áreas... E articula-se pouco em torno de nomes que realmente a represente com categoria, na câmara dos deputados.
O “ficha limpa” teve de ser implantado, mas disse-se que nunca houve tanta “prostituição” em campanha eleitoral, coligações esdrúxulas, falta de idealismo político, jogos de interesses unicamente pessoais em detrimento dos valores coletivos. Quando resolveremos essa questão? Essa resposta é simples e já foi dada lá atrás, por mais um apaixonado pelo Brasil. Anísio Teixeira, defensor do ensino público de qualidade para todos, já dizia que só haveria verdadeira democracia no Brasil quando ele investisse na escola, na educação. A solução existe, falta é quem queira realmente colocá-la em prática.
Que país é esse? É o país dos superfaturamentos bancários, da saúde pública periclitante, que ainda trata mal seus aposentados. É o país aonde em muitos casos, é preciso gritar, porque falar educadamente, em bom tom, parece não resolver. E por falar em gritar, o Grito dos Excluídos chega, neste ano, a sua 16ª edição. Realizada durante o período da Semana da Pátria desde 1995, a manifestação popular tem o objetivo de promover a reflexão sobre a exclusão social no país. Neste ano, o Grito dos Excluídos acontece junto com o Plebiscito Popular Pelo Limite da Propriedade de Terra.
De acordo com Ari Alberti, membro da coordenação nacional do Grito, o lema deste ano busca incentivar a população a lutar pelos direitos que não são respeitados. "O lema quer chamar atenção para a questão dos direitos sociais colocados na Constituição, mas que não acontecem. Precisamos ir à luta, nos organizar [para garantir o cumprimento desses direitos]", afirma.
Direito à moradia digna, acesso à saúde e educação de qualidade são apenas algumas demandas que estarão em pauta durante as atividades do Grito. Alberti ressalta que, apesar de ser um evento nacional, cada local têm suas particularidades. Assim, as atividades, os dias em que acontecem e as demandas podem variar. "O lema serve para garantir uma unidade, mas a intenção é que cada um leve a tona seu grito local para, juntos, produzir um grito com eco nacional", comenta.
Para ele, o importante é mostrar para a sociedade que o país cresce, mas não se desenvolve se não é capaz de reduzir as desigualdades. "Dignidade não é ser só consumidor, para ter dignidade, precisa ser cidadão com direitos e acesso à justiça", esclarece, acrescentando que a mudança só é conseguida "de baixo para cima".

Um comentário:

  1. Mestre,
    Pensar além do próprio umbigo nesse país só com uma campanha, e bem feita, para que isso aconteça. A campanha da fraternidade mostra isso. Pode você lembrar que precisa ser fraterno porque a campanha está sendo feita? Ainda bem que uma vez por ano o povo é levado a exercitar esse sentimento que deveria ser diário.
    O Grito deste ano é por direitos não cumpridos, por igualdade e justiça. É preciso gritar sempre em um país onde o governo insiste em ser meritocrático. Um governo de elite para um povo carente e necessitado, em sua maioria. Como ter educação de qualidade se o governo quer a subserviência da população? Se o povo tiver educação de qualidade, terá esclarecimento sobre o poder em questão e com isso, os marqueteiros políticos perderão suas campanhas com sorrisos e abraços pré-estabelecidos e o grito será ouvido longe e o poder não terá como fugir de sua responsabilidade com a nação. Será, de fato, um governo do povo para o povo. As estruturas deste país precisam ser bem alicerçadas, só assim a mudança será feita e perdurará. De baixo para cima.

    Boas falas, mestre!!

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